Crise hídrica preocupa população e empresas no estado da Bahia.
- Tiago Abrin
- 27 de nov. de 2015
- 4 min de leitura

A crise hídrica tem levado muitas pessoas a mudar os hábitos de vida e não apenas em São Paulo. Apesar de a Bahia não correr riscos - ao menos por enquanto - de viver a mesma situação do estado mais populoso do Brasil, já existe quem faça economia de água em Salvador. Luana Bezerra, 25, passou a ficar mais atenta a medidas simples como reduzir o tempo no banho, fechar a torneira ao escovar os dentes e lavar louças, além de regular a válvula da descarga do vaso sanitário.
No Dia Mundial da Água, comemorado hoje, A TARDE reforça a importância dessas atitudes, mas lembra que essa tarefa não cabe somente à sociedade. Na realidade, aqueles que são considerados os verdadeiros vilões do consumo e desperdício da água estão fora das residências. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o consumo humano é responsável por apenas 10% do total da água utilizada, 70% é destinado à agricultura e os 20% restantes cabem à indústria.
No país, segundo o último relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil, da Agência Nacional de Águas (ANA), a irrigação é a atividade responsável por 72% do consumo de água no Brasil, 9% é utilizado no consumo humano urbano, 1% para uso no meio rural, 7% para a indústria e 11% com animais. Diante disso, o que tem sido feito pelo setor agroindustrial baiano para alcançar a meta de reduzir o consumo e evitar o desperdício? Ele é, de fato, o grande vilão da crise hídrica? A TARDE foi atrás das respostas.
Para o engenheiro civil Leo Heller, relator especial da ONU para Água e Saneamento, existe, sim, uso irracional por parte dos que utilizam a água para irrigação e no setor industrial. "É necessário que as atividades econômicas sejam mais racionais ao consumirem os recursos hídricos. É inaceitável que bacias que ainda hoje são utilizadas pela indústria e a agricultura tenham a água retirada em tal proporção que chegue a colocar em risco o consumo residencial", disse Holler, em coletiva de imprensa na última sexta-feira, em Salvador.
Já o engenheiro agrônomo Hiram Medeiros Moreira afirma que é um erro colocar a irrigação como vilã. "A água, quando utilizada pela indústria e para consumo humano, torna-se insalubre. Já quando usada pela irrigação, o que é aplicado na superfície do solo e armazenado até a profundidade onde estão as raízes é absorvido pelas plantas ou evaporado para a atmosfera".
Discussões à parte, o titular da Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (SIHS), Cássio Peixoto, afirma que algumas ações preventivas estão sendo feitas no estado, sobretudo no oeste, região com forte potencial agrícola. "Estamos capacitando os agricultores, mostrando que o manejo correto dos equipamentos e o aprimoramento de sistemas de irrigação são fundamentais para reduzir o consumo de água na agricultura", informa Peixoto.
Segundo ele, um dos principais problemas é o fato de alguns agricultores ainda utilizarem técnicas muito rudimentares, a exemplo da irrigação por inundação permanente, na qual a água é mantida sobre a superfície do solo praticamente durante todo o ciclo da cultura. "É importante utilizar somente a quantidade de água que a cultura necessita. Em alguns casos, os pivôs centrais são necessários (ver texto ao lado), mas em outros a técnica do gotejamento é melhor, com a vantagem de gastar muito menos água", explica.
O coordenador de Monitoramento de Recursos Ambientais e Hídricos do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), Eduardo Topázio, diz que não só o método de irrigação deve ser analisado, mas também se o tipo de cultura é adequado para determinadas regiões. "A cultura do arroz, por exemplo, exige um tipo de solo e métodos específicos de irrigação. Se o agricultor desconhece, pode cultivar em solos inadequados e ser obrigado a gastar o dobro ou triplo de água para manter uma determinada plantação naquela região", diz.
De acordo com ele, o monitoramento do uso da água no estado é feito por meio de fiscalizações regulares e de emissões de outorga de direito de utilização, instrumento de gestão dos recursos hídricos que o poder público dispõe para autorizar, conceder ou permitir aos usuários o acesso à água. "Para emitir ou renovar a outorga, o usuário precisa atender às condições qualitativas e quantitativas para uso e captação de água", explica Topázio.
Segundo o diretor de águas e irrigação da Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), José Cizino, a maioria dos produtores tem equipamentos de precisão que apontam a necessidade exata de água para a cultura a cada dia. "É um erro achar que a água é desperdiçada na agricultura. Os irrigantes do cerrado não podem perder nada, pois o custo para bombear é alto e o desperdício seria improdutivo", diz.
Ainda conforme o diretor da Aiba, embora apontada como responsável pelas mazelas ambientais, a classe produtora tem cada vez mais consciência da necessidade de usar os recursos naturais com sustentabilidade.
*Colaborou Miriam Hermes.
Indústrias adotam práticas de reúso da água
De acordo com dados do Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA), a indústria é responsável por 7% do consumo no Brasil. No mundo, o setor consome 20% da água, conforme a Organização das Nações Unidas (ONU).
Em nome da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), José Rafael Lopes informou que já existem várias empresas que adotam práticas conscientes e ações para reduzir o consumo de água e evitar o desperdício. Segundo ele, que é coordenador de Serviços Tecnológico e de Inovação do setor de Meio Ambiente do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), entre as principais ações está o reúso da água.
Braskem e Nestlé A empresa Braskem, por exemplo, economizou 11,4 bilhões de litros de água em 2014 por meio do reúso, proveniente de esgoto doméstico, água de chuva ou efluente industrial tratado. Atualmente, cerca de 30% do montante hídrico utilizado é derivado do reúso. A Nestlé é uma outra indústria que adota a prática. A empresa realiza a extração da água do leite para reutilizá-la nas operações executadas nas fábricas de produtos lácteos.
Somente na planta de lácteos localizada no município de Itabuna, no sul da Bahia, o montante de água economizado é de 53 milhões de litros por ano. O processo acontece em 11 fábricas da companhia no Brasil.
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